sábado, 27 de novembro de 2010

AS MARRETADAS

Então Deus, cansado dos meus pecados, resolveu punir-me: enviou uma obra na casa ao lado. Faz alguns dias que salto da cama, apavorada, sob a orquestra de marretadas, crente que é a célula campineira da Al Qaeda que acaba de entrar em atividade. Deus, ao que parece, mandou eles trocarem o piso e as paredes da casa. Inteirinha.

Os marreteiros do Senhor não brincam em serviço, foram treinados nos porões (ou sótãos) da ditadura – de todas as ditaduras. Derrubaram paredes em Sodoma e Gomorra, prestaram serviços no muro de Berlim, foram agentes duplos da CIA e da KGB. São hábeis em fazer a quebradeira da pior maneira possível: sem ritmo. Tum, tum, tum…., eles batem, você espera que a próxima nota seja tum, mas vem então uma pausa e… Tuntum. Tum-Tum, Tum-Tum – você vai se acostumando e… Tum-tá-tum!

O ser humano é capaz de suportar qualquer coisa, desde que faça sentido e, não há sentido mais antigo, impresso nas primeiras folhas do livro de nossa memória, do que o ritmo. Ritmo do coração de nossas mães, quando ainda boiávamos em líquido amniótico; ritmo que reaparece nas músicas de ninar, logo depois, insinuando que nem tudo está perdido, ritmo que buscamos nas rimas e na poesia, ritmo que ouvimos por trás do boa noite do William Bonner, ritmo que nos alegra só por aparecer sete vezes no mesmo parágrafo, pois se tudo se repete, por que a vida também não?

Onde há sentido, há salvação. Mas com os marreteiros de Javé não há salvação. Não há padrão. É o código Morse do Demônio, o caos, e se o ritmo nos assegura o sentido da vida e a repetição funciona como uma retórica da ressurreição, a falta de ritmo semeia o desespero, a loucura, a morte.

O sono do finalzinho da noite, é bom justamente por causa do silêncio. Às seis da manhã, a Tim não me liga para oferecer planos, a Mastercard não me avisa que minha conta está “há 6 dias em aberto, senhora”, as pamonhas de Piracicaba dormem tranqüilas em alguma garagem da cidade. Isso tudo, até a semana passada, pois agora as marretas ressoam dentro e fora da minha cabeça, eu sou um zumbi e os sons estão todos espalhados pelo mundo.

É um mundo injusto. É proibido ouvir a Cavalgada das Valquírias ou Sheena is a punk rocker depois das dez da noite, mas nada impede que o vizinho do lado, destrua sua casa a marretadas a partir das seis da manhã. Não há o que fazer. Só me resta sofrer nesse brejo da cruz, enquanto o coaxar dos martelos-sapo me castiga pelos 39 anos que vivi em pecado. Perdão, Senhor!


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